7 de outubro de 2024

“Por protagonismo nas eleições, Emanuel teve uma atitude suicida”

Analista diz que prefeito lançou 1ª dama na “fogueira” ao decidir por candidatura: “ato de desespero”

O jornalista e analista político Onofre Ribeiro avalia que o prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) se arriscou politicamente em busca de um protagonismo ao lançar a esposa Marcia Pinheiro (PV) como candidata ao Governo do Estado. 

Onofre diz que a jogada de Emanuel, inimigo político do governador Mauro Mendes (União), foi uma tentativa de obter um protagonismo nesta eleição, uma vez que seu mandato acaba em dois anos e ele deverá ficar outros dois fora dos holofotes eleitorais. 

“O Emanuel é o prefeito da cidade mais importante do Estado, mas estava fora da eleição. Então, o que ele fez? ‘Eu vou manter um protagonismo a qualquer custo’. Quando ele lança Marcia, a lançou numa fogueira”, diz Onofre.

“Então, ele arriscou um protagonismo. Foi uma atitude, para mim, suicida. De desespero”.

Nesta entrevista, o experiente jornalista ainda analisou as manifestações do dia 7 de Setembro, fez uma retrospectiva do governo Mauro Mendes e falou do futuro da economia de Mato Grosso.  

“O Estado vai ter um protagonismo assustador no País por conta da evolução da produção alimentar”, prevê.

Onofre Ribeiro – Eu vejo o governador Mauro Mendes praticamente sem oposição, porque a oposição a ele nasceu na última hora das convenções. Então, ele vinha sozinho, era natural que tivesse uma votação na faixa dos 80% sem oposição.

Vamos lembrar que ele precisaria ter no mínimo 80% de aprovação. Não tem. Não creio em uma votação tão significativa. Mas é evidente que ele vai ganhar, vai ganhar na faixa dos 54%, 55%. 

MidiaNews – Como o senhor vê a candidatura da primeira-dama Marcia Pinheiro?

MidiaNews

Onofre Ribeiro: Estado não formou mais lideranças políticas

Onofre Ribeiro – É uma estratégia de futuro do Emanuel Pinheiro. Ambos estão olhando para o futuro, o Emanuel particularmente. Ele e o Mauro vêm brigando um com o outro há muito tempo e acabaram ficando os dois polarizadores na política de Mato Grosso. Assim como tem no nacional, eles trouxeram para cá.

O Emanuel entraria nessa eleição sem nenhum protagonismo. Sem nenhum protagonismo! Porque ele não fez parte da composição da eleição, porque ele é do MDB e no MDB quem tem protagonismo é o Carlos Bezerra, que não abre um milímetro para ninguém. 

Então, o Emanuel é o prefeito da cidade mais importante do Estado, mas estava fora da eleição. Ele puxou briga do VLT x BRT e perdeu em várias instâncias. Acabou de perder agora no Supremo Tribunal Federal; o TCE é pelo BRT.

Então, perdeu todo o protagonismo na única discussão que tinha. Agora, pretende seguir uma carreira política, depois de prefeito da Capital. Deputado federal? Ele já tem o filho. Teria que disputar Senado ou Governo. Ele não se sentiu confortável de largar a Prefeitura para ser candidato a governador, porque com Mauro nessa posição, seguramente ia perder.

Então, o que ele fez? “Eu vou manter um protagonismo a qualquer custo”. Quando ele lança Marcia, a lançou numa fogueira. Porque vai que o Mauro, ou alguém, resolvesse puxar para ela a história do paletó. É um desgaste dele, não dela. Lembrando que as mulheres numa família são as que se ferem mais nos conflitos.

Ela já vem ferida de casa. E vem para cá e a sociedade joga nela a culpa do paletó. Você matava ela. Então, ele fez uma jogada arriscada de protagonismo para não morrer politicamente. Porque em dois anos será o último ano do mandato dele. Ele vai ficar dois anos fora. É tempo suficiente para as pessoas esquecerem. Então, ele arriscou um protagonismo. Foi uma atitude, para mim, suicida. De desespero.

MidiaNews – E usando a esposa como escada?

Onofre Ribeiro – Usando a esposa como escada. Eu diria, arriscando usar a esposa como escada dele.

MidiaNews – O senhor vê futuro político para Marcia? 

Onofre Ribeiro – Pela quantidade de votos que ela tiver, abre-se algum tipo de perspectiva. Mas não aposto. Muito mais forte do que a Marcia era a dona Janete Riva [candidata ao governo em 2014]. O José Riva, no desespero de não ter sido candidato porque o TRE não permitiu, jogou a dona Janete, e a dona Janete perdeu.

Era de se esperar que ela perdesse feio, porque a situação é parecida, e perdeu feio. E não teve cargo, morreu ali. Então, não vejo futuro político para ela.

MidiaNews – Como o senhor enxerga esse embate entre Emanuel e Mendes – que para muitos não passa de picuinhas?

Onofre Ribeiro – Eles estão disputando quem é o macho alfa. Se você olhar as lideranças de Mato Grosso, acaba ficando nesses dois. O Mauro, um líder consolidado, e o Emanuel consolidado em um nível municipal. Dois machos alfas lutando por um espaço. Numa matilha de lobos, não tem dois machos alfa. 

E as regras são muito claras: o macho alfa é o macho alfa, a fêmea alfa é a fêmea alfa e o outro macho, se quiser, tem que vencer o macho alfa. É o que está acontecendo. Briga de macho alfa para controlar o rebanho. Agora a pergunta é: como é que a sociedade está vendo essa disputa? E se a sociedade escolheria algum dos dois como macho alfa? 

Escolheria o Mauro? A eleição do Mauro está mais fácil, mas o que não lhe dá o protagonismo como macho alfa. E o Emanuel não tem a menor condição se der o macho alfa nessa história toda. É uma luta fratricida que a sociedade está completamente à margem disso. 

MidiaNews – O deputado estadual Eduardo Botelho falou recentemente que uma dos fatores que têm favorecido Mauro Mendes é que Mato Grosso parou de formar lideranças, o que facilitou seu caminho à reeleição. 

Onofre Ribeiro – Percebo. As lideranças formavam grupos e os grupos formavam frentes de interesses e de poder. Não tem mais grupos, os grupos acabaram. O grupo Campos está no final; o grupo do MDB resumiu-se ao Carlos Bezerra; o PT desapareceu naquela briga fratricida entre a Serys e o Carlos Abicalil. O Mauro Mendes é um lobo solitário. O Emanuel talvez quisesse formar um grupo com a Marcia, o filho e ele. Não vai formar grupo nenhum. Daqui a dois anos, ele deixa o mandato na Prefeitura, a Marcia não se elege e o menino fica isolado lá em Brasília.

Então, nós nunca mais teremos grupos e não teremos mais líderes messiânicos, que era aquele que chefiava as multidões. Como o Júlio Campos, o Bezerra, o Dante, o Blairo. Acabou isso. Esse tempo não existe mais. Os líderes serão difusos, ou seja, serão muitas pessoas com protagonismos específicos convivendo ao mesmo tempo. 

MidiaNews

“Estado vai ter um protagonismo assustador no País”

MidiaNews – O que espera de um eventual futuro governo Lula, ou de um eventual futuro governo Bolsonaro? 

Onofre Ribeiro – Primeira coisa, o que tem em comum entre eles são problemas. Porque o Lula trabalha com a ideia do primeiro mandato dele, dos dois mandatos, que foram na década passada. Quando ele ganhou a eleição ainda não existia smartphone. Não tinha WhatsApp, não tinha Facebook, não tinha Instagram, não tinha nada. Ele volta, hoje, o mesmo líder, mas o grupo orgânico que ele tinha se desfez ao longo do tempo. Volta um lobo solitário num país extremamente complexo.

Bolsonaro se elegeu em 2018 numa circunstância que capitalizou o antipetismo, o anti-Lula. Viveu quatro anos de tumulto, porque não chegou a ter plano de governo, não tinha um propósito. Bolsonaro se elegeu sem um propósito. Ele não tinha mecanismo social, administrativo, burocrático, político, econômico. Caiu de paraquedas! E está tendo um governo tumultuado por conta disso. Se ele voltar, será com tudo isso e mais: com arrogância de quem foi reeleito dentro desse ambiente. A tendência dele é de ser um governo de maior conflito do que antes. E trabalhar com mais dificuldade do que antes. Então, eu olho para o futuro com um olhar de que nada será fácil nesses próximos quatro anos. 

MidiaNews – E para Mato Grosso, como deve ser os próximos quatro anos?

Onofre Ribeiro – O Estado vai ter um protagonismo assustador no País por conta da evolução da produção alimentar. Hoje, não é o agronegócio, é produção de segurança alimentar, é outro conceito. Isso vai atrair um absurdo de indústria transformadora, porque o problema de combustível para fretes, seja marítimo ou terrestre ou ferroviário, mudou completamente o paradigma. 

Não dá mais pra continuar transportando matéria-prima, vai ter que processar. Isso significa uma mudança completa do perfil econômico do Estado. Então, o próximo governante tem que ter uma leitura muito diferente de um governador que assina decretos e que recebe deputados no Palácio. 

O próximo governador terá que ser um grande estrategista com uma visão político – estratégica extraordinária e não apenas um gestor, tem que ser um grande estrategista porque senão o Estado atrasa séculos.

MidiaNews – E as perspectivas econômicas?

Onofre Ribeiro – O Imea [Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária], que é confiável, disse que em 2030 vamos produzir 130 milhões de toneladas. Que é exatamente o que o Brasil produziu em 2010. Então, em oito anos estaremos do tamanho do Brasil em 2010 em produção. 

Você imagina o que isso vai significar? Acrescente-se que o Mundo está começando a entrar em crise alimentar. Problemas climáticos, guerra, competição geopolítica. O Brasil assume papel de potência nessa área e Mato Grosso é o primeiro no País. Então, você vê a exigência da economia do Estado, a exigência pelas transformações será monstruosa. É preciso que seja um governante com uma leitura muito estratégica, muito antenado da fronteira do Estado para fora, econômica, política, geopolítica. 

Olhar o Mundo. Mato Grosso terá que olhar para o Mundo, se for um governador que olha para dentro da fronteira, Mato Grosso perde seu protagonismo no Mundo. Então, os próximos quatro anos serão cruciais para o futuro do Estado, pela condição mundial e pela condição nacional.

MidiaNews – Como o senhor viu os atos de 7 setembro no Brasil conclamados pelo presidente Jair Bolsonaro? 

Onofre Ribeiro – Eu não vejo como ato político do Bolsonaro. Como movimentação da sociedade brasileira. Esta foi uma movimentação difusa. O que é uma movimentação difusa? Ela não tem um foco só. Em 2021, você tinha nas ruas as faixas: abaixo a corrupção, abaixo o STF. Você via basicamente isso. 

Este ano, você não via faixas, não via faixas contra nada. Por isso que eu falo que é difuso. E o que esse difuso diz? As pessoas estavam reclamando contra corrupção, contra ineficiência do governo, contra a burocracia, contra o STF, contra o Congresso, contra o desemprego, contra a inflação, contra os preços dos alimentos. E contra uma falta de perspectiva. 

Então, o Bolsonaro apenas capitalizou uma parte, porque aquela movimentação não era toda em favor dele. Ele capitalizou uma parte, ainda é muito mais a herança do ano passado. E que ano passado ele capitalizou tudo para ele, mas não era ano de eleição. 

Então, do ponto de vista eleitoral, essa manifestação serviu para desarmar um gatilho, que é dos indecisos e dos que não vão votar. Não sabem ou indecisos. Isso desaguou esse gatilho. Então, incomodou eleitores de um lado e de outro. Tanto do Lula quanto do Bolsonaro. Muita gente mudou de lado porque não gostou. Então, penso que foi uma manifestação da sociedade.

MidiaNews – Muito se especulava que o Bolsonaro poderia vir com um discurso mais radical do que do ano passado, quando disse que não iria respeitar o STF, mas esse ano ele fez um discurso mais moderado. O que acha que passou pela cabeça dele?

Eles pensavam e continuam pensando muito parecido, porque o pensamento deles é linear: disciplina, hierarquia, objetivos nacionais, civismo

Onofre Ribeiro – Deixa eu te contar uma historinha primeiro antes de responder essa pergunta. Nos anos 70, no auge da ditadura militar, eu trabalhava no Jornal de Brasília, que tinha uma cobertura política de altíssima qualidade. Eu era da redação, um jovem jornalista. O Luiz Gutemberg, o editor, achou que nós precisaríamos compreender a cabeça do militar, e o pensamento militar. Então, organizou um curso que chamou de contrainformação para entendermos como os militares pensavam na época. 

Eles pensavam e continuam pensando muito parecido, porque o pensamento deles é linear: disciplina, hierarquia, objetivos nacionais, civismo, essas coisas que todo mundo sabe. Pois bem. Como é que eles funcionam? Eles trabalham com um profundo sistema de informação e de inteligência. Captam informação – eles são bons nisso -, do Brasil inteiro, centralizam, e aquilo vai para uma área de inteligência. E aí viram conceitos. É informação trabalhada. 

O Bolsonaro trabalha com isso. Ele é militar, não faz nada sem esse apoio. O que se disse no dia 7? Qual é a discussão da eleição? Radicalizada? Então, vamos tirar a radicalização. Ele fez um discurso também difuso. Ele não atacou o Supremo, não atacou o Congresso, não atacou ninguém. Ele só deu umas cutucadas no Lula, porque é da política mesmo, da eleição, mas fez um discurso dentro da linha difusa, porque ninguém nesse momento sabe o que a sociedade deseja. Não é mais a sociedade de antes. 

MidiaNews – O senador Wellington já falou mais de uma vez que ele quer que Bolsonaro tenha em Mato Grosso a maior votação proporcional de todos os estados. Acha possível que isso aconteça?

Onofre Ribeiro – É possível. 

MidiaNews – E por que o Bolsonaro é tão forte em Mato Grosso?

Onofre Ribeiro – Não é o Bolsonaro. São todos os presidentes da República. Vamos voltar atrás – e isso tem um porquê. Na década de 70, teve aquela migração enorme, especialmente de sulistas. Veio gente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná. Gente que veio de regiões que estavam com problemas básicos mais ou menos resolvidos. Educação, saúde, infraestrutura, segurança.

Ao passo que aqui não tinha nada. Na década de 80, aqui não tinha nada. Então, esses migrantes chegaram aqui e eles enfrentaram a ausência de tudo. Então eles não podiam ficar contra o governo. E na época do regime militar era muito claro, ou está conosco, ou não está conosco. Então, vieram para cá e ficaram todos a favor do governo. Porque tinha muito o que fazer e não podia ficar contra o Governo Federal. 

Isso veio evoluindo em 2006, e na hora H o Blairo [Maggi] apoiou o Lula. O PT nunca teve expressão em Mato Grosso. Então, vamos apoiar o governo porque é muito ruim ficar contra o governo. Então, repete-se isso agora. Em 2018, o Bolsonaro tinha zero de ligação com Mato Grosso e foi muito bem votado, porque a Dilma não olhou muito Mato Grosso e tinha todo aquele desgaste que levou ao impeachment.

Então, vamos votar em um cara que é uma esperança e que vai cuidar de Mato Grosso. Votou-se nele e vai votar de novo. Mato Grosso, durante muitos anos ainda vai se aliar ao Governo Federal. Vai deixar de alinhar no dia em que a indústria tiver tomado conta do agro. E houver o processamento [das commodities] aqui, que o Estado fechar o ciclo econômico, aí tanto faz ganhar esse ou aquele. 

Mas, enquanto o Estado tiver dependência do Governo Federal, nós seremos situação.

MidiaNews – Mas o direito à propriedade e o direito de defender sua propriedade armado é algo que bate muito forte no eleitor do agro. O senhor não percebe isso?

Onofre Ribeiro – Não. Nós estamos sendo contaminados pelo entorno de Cuiabá. Aqui tem muitas chácaras, pequenas propriedades, e aqui próximo, o ladrão… Eu fui vítima disso lá em Acorizal. Fui assaltado duas vezes. Eu não uso arma e continuo não usando arma. Não acredito em arma como solução.

O que aconteceu? Com a chegada do Comando Vermelho, organizou-se o roubo. Os autônomos, os ladrões que agem por contra própria, os self-made-man, ficaram sem espaço na cidade. Então, estão assaltando no entorno de Cuiabá. Os rapazes que me assaltaram eram desse tipo, eram freelancer. Então, aqui há uma perspectiva de perigo que Cuiabá é uma cidade que tenha sua violência, então o entorno está dominado pela ideia de arma.

No interior, não. No interior, nas grandes propriedades em que o pessoal movimenta milhões em defensivos e fertilizantes, têm segurança armada. O dono mesmo, anda armado, precisa andar armado pela segurança pessoal. Não é espírito da população andar armado, há uma lenda sobre isso.

Midia News – E a questão da defesa da propriedade privada? Não é algo que Bolsonaro defende muito e o mato-grossense também tem essa coisa arraigada?

Quem tem propriedade rural tem um apego muito grande, porque ali é o patrimônio dele

Onofre Ribeiro – Sim. Quem tem propriedade rural tem um apego muito grande, porque ali é o patrimônio dele. É como você ser assaltado na sua casa. O seu patrimônio está ali dentro. A propriedade rural… É da cultura brasileira o peso fundiário na vida da política e das pessoas. Há medo pela propriedade. E quando o MST invadiu lá em São Paulo, um laranjal, e na Bahia, [uma plantação de] eucalipto, e fez um estrago muito grande, ali o País inteiro se mexeu. 

Eu me lembro bem da Dilma falando na reportagem: “Houve algum exagero”. E você tinha imagens dos tratores queimados, as propriedades queimadas, passou o trator em cima do laranjal, destruiu laboratório de pesquisa de anos e anos de eucalipto. 

Então, isso gerou uma paranóia no País inteiro. O MST era aceito como um lance da esquerda, que apoiava o governo. Dali para frente, o MST passou a ser entendido como o braço armado da esquerda. Aí criou-se a paranóia da defesa da propriedade. Então, há uma paranoia. Lembrando que a partir dali, de Santa Catarina e do Paraná, o MST passou a ser rechaçado nas propriedades. Eles chegavam, os fazendeiros se juntavam e com os tratores derrubavam o acampamento. Foi ali que criou uma paranoia. O medo que se tem hoje é de que se o Lula ganhar, aparelhar o MST.

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