7 de outubro de 2024

Delegado: “Em 8 anos de Lei Seca em MT, não vi nenhuma melhoria”

Titular da Deletran comentou sobre o aumento da fiscalização em Cuiabá e Várzea Grande

A frequência e intensidade na realização da Operação Lei Seca em Cuiabá e Várzea Grande neste ano passou a ser um dos assuntos mais comentados entre familiares, colegas de trabalho e rodas de amigos. No total, já são 49 ações feitas de janeiro a meados de maio na Baixada Cuiabana.

Apesar do aumento na fiscalização, segundo o delegado Christian Cabral, titular da Delegacia Especializada em Delitos de Trânsito (Deletran), não houve nenhuma melhoria desde que a operação foi implantada em Mato Grosso, há oito anos.

“Em linhas gerais, ninguém está preocupado em seguir os ditames da lei. Por isso que temos aumentado a frequência e intensidade das blitz e passado a realizar essas operações em locais diversificados, onde antes não aconteciam”, afirmou em entrevista ao MidiaNews.

Conforme o delegado, as pessoas ainda têm resistência à abordagem neste sentido. “Estamos tentando nos reinventar para poder, através da sensação do medo, do risco, fazer com que as pessoas não se atrevam a praticar esse comportamento”, declarou. 

Na entrevista, o delegado ainda comentou sobre o Código Brasileiro de Trânsito, festas e eventos com open bar e mais. 

Christian Cabral – Sim. Nós já estamos com oito anos de operações e a gente enxerga que, infelizmente, em termos de porcentagem, não teve nenhuma melhoria. Em média 20% a 30% dos condutores abordados nas nossas ações de fiscalização estão sob efeito de álcool.

E, paralelamente a isso, a gente também não consegue enxergar uma redução significativa na violência no trânsito. Em razão disso, a gente está aumentando tanto em frequência, quanto em duração as nossas operações. Não é o desejo, a fiscalização é a última barreira na guerra contra a violência no trânsito. Mas, quando as outras falham, a gente é obrigado a agir. Esse ano, já estamos com 48 operações realizadas.

MidiaNews – Do ponto de vista da penalização, considera apropriada a legislação brasileira? Ou há alguma coisa que precisa mudar?

Christian Cabral –  Nossa legislação de trânsito é uma das mais avançadas do mundo, as penas são duras, mas falta efetividade. Por exemplo, antes da vigência da Lei 14.071 que fez algumas modificações no Código de Trânsito, inclusive aumentou o score para você ter sua CNH suspensa, era muito pouco os condutores que, efetivamente, tinham o seu direito de dirigir suspenso. Da mesma forma a infração de dirigir embriagado. E na área criminal também. A lei é boa, mas falta efetividade, falta punibilidade.

Então, as pessoas não enxergam uma possibilidade de mudar seu comportamento, porque veem com distância as punições previstas na lei. Esse é um dos motivos.

MidiaNews – O que precisa ser feito para que essas leis de fato tenham efetividade?

Christian Cabral – O problema do nosso País em linhas gerais é esse: fazem boas leis, que no papel são muito eficazes, mas na prática não são, porque o aparato estatal não está preparado para dar cumprimento. As penas tanto administrativas quanto criminais têm prazos que se não foram cumpridos, prescrevem.

Por exemplo, se eu praticar uma infração gravíssima hoje e receber sete pontos na carteira, esses sete pontos vão ficar no meu prontuário por um ano. Se dentro de um ano não for aplicado à penalidade correspondente para mim, eles zeram e aí os pontos vão se perdendo. Ao perceber que essas penas não são cumpridas, as pessoas acabam não se importando com o rigor da lei e, aí, não mudam o comportamento.

Tivemos um caso que chamou atenção, de uma condutora que num intervalo de quatro meses foi parada em três Lei Seca, em três lugares diferentes, e ela chegou ao ápice de usar as redes sociais para debochar, fazendo uma parodia com o Fantástico dizendo que ela ia pedir música. E ainda assim ela continuava com a CNH de válida e dirigindo. Se soma-se tudo ela ficaria 36 meses sem poder dirigir, mas nem em um único mês ela foi privada de dirigir.

MidiaNews – Houve aumento na pontuação para suspensão da CNH?

As pessoas não enxergam uma possibilidade de mudar seu comportamento, porque veem com distância as punições previstas na lei

Christian Cabral – Sim. Aumentou a pontuação de 20 para 40, em alguns casos. O nosso presidente não gosta da fiscalização e, menos ainda, do Código de Trânsito. Toda vez que ele tenta fazer alguma coisa é para deteriorar. Essa última mudança que teve agora, o condutor profissional, que é aquele que você espera que tenha uma conduta mais exemplar, tem o benefício de chegar a 42 pontos e ainda assim, pode fazer um cursinho de reciclagem para não ter que cumprir a pena de ter o direito de dirigir suspenso. Inverteu as coisas. 

MidiaNews – Na sua experiência de blitz da Lei Seca, qual a principal desculpa que uma pessoa dá quando é flagrada no bafômetro? Há quem negue que tenha bebido?

Christian Cabral – As pessoas não negam, mas elas não aceitam que o aparato estatal esteja sendo usado para aqueles fins. Nós tivemos uma operação no último final de semana, ao final do Festival Braseiro, e as pessoas estavam todas incomodadas. As pessoas ainda enxergam que estamos causando um transtorno. 

Na verdade,  estamos ali para trazer uma facilidade para quem anda certo. Para quem anda errado, realmente é um transtorno. 

Midianews – Qual o perfil dos motoristas flagrados na Lei Seca?

Christian Cabral – Em geral, pessoas na faixa de 20 a 40 anos e, em sua maior parte, homens de classe média para cima.

MidiaNews –  A impressão que se tem também é que as mulheres têm bebido muito e dirigido embriagadas. Qual a percepção do senhor em relação às mulheres?

Christian Cabral – Em linhas gerais, ninguém está preocupado seguir os ditames da lei. Mas, a maioria ainda são os homens. Na faixa de 30% dos fiscalizados, são mulheres e estão sob efeito de álcool.

MidiaNews – Por que, mesmo sabendo que pode ser multado em R$ 2,9 mil, uma pessoa se arrisca dirigindo depois de beber?

Christian Cabral – As pessoas acham que sempre vai acontecer só com outro. Por isso que temos aumentado a frequência e intensidade das blitz e passado a realizar essas operações em locais diversificados, onde antes não aconteciam. Estamos tentando nos reinventar para poder, através da sensação do medo, do risco, fazer com que as pessoas não se atrevam a praticar esse comportamento.

No evento do último final de semana, observamos uma quantidade grande uber, vans fretadas, ou seja, existem pessoas que já estão preocupadas, mas a maioria ainda insistem em flertar com o perigo.

MidiaNews –  Apesar das intensas fiscalizações, pessoas ainda morrem no trânsito por causa da mistura de bebida e direção, como foi o caso do motorista de aplicativo e da diarista, que morreram em Várzea Grande, em abril. Às vezes, não sente que está apenas enxugando gelo?

MidiaNews

“Em linhas gerais, ninguém está preocupado seguir os ditames da lei”

Christian Cabral – Os crimes de trânsito são de caráter universal. A qualquer momento, qualquer pessoa, inclusive eu, vocês, podemos ser tanto vítima como causadores de um acidente de trânsito. Não exige a índole criminosa, o dolo pré-determinado ao crime. É um crime que acontece por falta de atenção, com a imprudência, falta de perícia.

A gente não fica frustrado das pessoas não ficarem presas ou estarem ainda dirigindo depois de se envolverem em um acidente ou num crime de trânsito, o que deixa frustrado é que os números não reduzem. As pessoas poderiam estar evoluindo. A gente observou, no passado, que ninguém usava cinto de segurança no País e aí, depois de certo tempo, o cinto de segurança se tornou uma cultura. É uma política que deu certo. Agora, em relação ao álcool, até hoje a gente não observa essa mudança. Já estamos com 24 anos de Código de Trânsito e o álcool continua sendo um tabu.

MidiaNews – Qual a sua opinião sobre eventos e festas onde há open bar?

Christian Cabral  – Não tenho nada contra. O direito de beber, apesar de ter estudos e indicadores de segurança que falam que o álcool quando consumo em excesso não é bom para saúde, cada um tem o direito de escolher o que faz. O nosso problema é com as pessoas que bebem e depois querem dirigir. As pessoas podem beber o que quiser, a quantidade que quiser, frequentar o evento que quiser, mas existem várias alternativas para circular entre a sua casa e esses eventos. 

MidiaNews –  O caso do atropelamento na Valley ocorreu há mais de três anos e até hoje não houve sequer uma audiência na Justiça. Essa morosidade não aumenta a sensação de impunidade?

Christian Cabral  – Esses crimes, em especial, são crimes que estão fora do rito normal do crime do trânsito porque eles são enquadrados como dolo eventual e aí, eles saem do fluxo natural que os processos de trânsito têm na 10ª Vara e vão para a Vara do Tribunal do Júri e eles acabam tendo um rito igual de um homicídio comum.

Só que se em algum momento do processo for desclassificado esse crime doloso para culposo, automaticamente a pessoa já sai sem dever nada porque, como o rito dentro da Vara do Tribunal do Júri é mais lento e é natural porque é um processo que exige mais formalidades, a pena acaba prescrevendo. A gente evita aqui da Delegacia de Trânsito ao máximo aplicar essa imputação as pessoas de crime doloso, só quando os indícios são bastante firmes, porque se você errar a pessoa sai de graça. 

MidiaNews – E as penas para crimes dolosos no trânsito vão de 6 a 20 anos. Na sua opinião, essa punição é satisfatória?

Christian Cabral  – Sim, é alto. O crime de trânsito não envolvem pessoas com índoles criminosas. Ele acontece, às vezes, por um detalhe. Esses casos, mesmo de dolo eventual, a pessoa não saiu de casa falando assim: eu vou sair e matar fulano e beltrano. O fato acontece por uma combinação de fatores em que a pessoa não observou ou fez pouco caso, acaba assumindo o risco de causar. Mas, é diferente de um homicídio que a pessoa sai de casa falando que vai matar. Ninguém sai de casa falando que vai cometer um crime de trânsito, mas ele acontece e acontece, porque os cuidados não foram observados.  

fonte:midianews

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