7 de outubro de 2024

Aos 80 anos, Cine Teatro segue relevante na cultura cuiabana

Aníbal Alencastro conta sobre o surgimento do local e as histórias dos bastidores

O Cine Teatro Cuiabá, que nesta segunda-feira (23) completa 80 anos desde sua fundação, se consolidou como um dos maiores marcos culturais da história mato-grossense.

Entre períodos de ouro e outros de decadência, a obra fez e segue fazendo parte da vivência de muitos cuiabanos que um dia tiveram a oportunidade de conhecer esse símbolo regional.

A ideia de sua criação foi impulsionada por uma demanda popular antes mesmo que pudesse ser pensada pelo interventor de Mato Grosso, Júlio Müller.

À época, final dos anos 30, Cuiabá vivia uma situação complicada no sentido de modernização. Apesar de ser a Capital do Estado, não havia muitas obras emblemáticas sendo desenvolvidas na cidade.

Na verdade, como relata o historiador Aníbal Alencastro, a região era cercada por casas antigas, e mesmo com pontos belos, nada se comparava ao desenvolvimento de outras capitais do país.

Na intenção de melhorar a situação, Júlio Müller foi até Getúlio Vargas e pediu recursos financeiros para erguer novas construções na Capital. O projeto, denominado “Obras Oficiais”, incluía a construção do Liceu Cuiabano, a Residência dos Governadores, o Grande Hotel de Mato Grosso, dentre outras arquiteturas importantes para época.

Apesar da diversidade, nenhuma das obras tinha relação com o Cine Teatro Cuiabá. Em realidade, para construir o primeiro hotel da Capital, o interventor precisaria destruir o único local de espetáculos e cinema de Cuiabá, chamado Cine Parisien.

Aníbal conta que o cinema funcionava no Teatro Amor à Arte. Inaugurado em 1912, multidões eram atraídas para assistir aos filmes mudos que eram embalados pela música ao vivo da pequena banda de Zulmira Canavarros.

Mesmo sem uma estrutura moderna, o lugar era adorado pelos cuiabanos entusiastas da cultura e que buscavam algum entretenimento na cidade. A notícia de sua destruição revoltou esses mesmos moradores, que decidiram se reunir e pedir por meio de abaixo-assinado que Júlio Müller incluísse na sua lista de obras a construção de um cine teatro. E assim nasciam os primeiros esboços do que seria o Cine Teatro Cuiabá.

“O projeto foi feito por um engenheiro do Rio de Janeiro seguindo normas de cinemas de alta potência, estilo art nouveau. E foi um sucesso. A inauguração do Cine Teatro foi um espetáculo”, conta Aníbal.

Era de ouro

A expectativa para inauguração tomou conta das manchetes dos jornais da época. A empolgação era geral e até mesmo uma enquete para escolher o nome foi registrada nos impressos.

Muito dessa ansiedade para inauguração vinha também do mistério em relação ao primeiro filme do novo espaço. Apenas no dia de abrir as portas, em 23 de maio de 1942, o título foi revelado: “A Noiva que Caiu do Céu”, dirigido pelo norte-americano William Keighley. O rolo foi transportado junto com o gerente do cinema em sua viagem de avião até Cuiabá, conta Aníbal.

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Pôster dos filmes que eram exibidos no Cine Teatro após a inauguração

A partir dali muitos outros filmes internacionais e nacionais foram exibidos. Naquele período os filmes já tinham som e a tecnologia, tanto arquitetônica quanto das máquinas, era extremamente avançada para a Capital.

“É um marco, é um cinema muito bonito. Para a época ele foi uma obra excepcional, porque aqui em Cuiabá nem cimento a gente tinha. A construtora foi quem trouxe o concreto”, conta.

“Precisaram usar os presos da cadeia para peneirar as pedras e fazer o cimento. Foi erguido com muita dificuldade, mas muito bem feito”, acrescenta.

Aníbal lembra que também fez parte desse auge do cinema, pois frequentava desde jovem as matinês aos domingos. Nesses dias ficavam em cartaz os chamados seriados, exibidos em episódios.

Moradores de outras cidades viajavam para conhecer o Cine Teatro Cuiabá, que era uma atração turística. Além de um espaço cultural, o local também transformou-se em uma área de vivência.

Muitos jovens e adultos que vinham assistir aos filmes, conheciam outras pessoas, faziam amigos e, segundo o historiador, muitos casos evoluíram para casamento. Aníbal conta que chegou a trabalhar no Cine Teatro por alguns anos e pôde acompanhar de perto a era de ouro.

“Fazia muito sucesso, o pessoal lotava, os homens iam de gravata. As mulheres arrumavam os cabelos, salto alto, tudo para ir ao cinema. Ir ao cinema era como se fosse uma cerimônia, um evento, era o charme da época”, relembra.

Declínio

Foi nos anos 80 que a administração do Cine Teatro Cuiabá começou a dar problemas. Aníbal relata que o arrendatário daquele período estava interessado em fazer muito dinheiro com o Cine Teatro.

Ao mesmo tempo os filmes pornográficos estavam no auge. Com isso, o administrador resolveu deixar de lado outras produções para focar no conteúdo explicito. A escolha, segundo o historiador, foi a responsável por “sujar” a imagem do espaço.

“Havia pessoas que falavam que tinham vergonha de passar na porta por causa das propaganda dos filmes pornográficos, horríveis. O cara estragou o cinema”, afirma.

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Aníbal Alencastro foi pioneiro como projecionista no Cine Teatro e hoje mantém uma exposição sobre o local

Com a intenção de tirar o arrendatário do comando, a Secretaria de Cultura, onde Aníbal estava trabalhando, chamou a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros para fazer uma vistoria no espaço. Durante a fiscalização, foram encontradas algumas irregularidades, consideradas suficientes para decretar o fechamento do local.

A solução, embora radical, foi a única capaz de conter o que seria a possível morte completa do cinema. Por muitos anos o local permaneceu fechado e sem destino certo. O espaço, que antes recebia moradores em suas melhores roupas, passou a ser abrigo de usuários e drogas e nada lembrava a obra excepcional de outrora.

Muitos acreditavam que seria o fim definitivo. No entanto, em 2003, o então governador Blairo Maggi decidiu iniciar uma obra de reestruturação do espaço para a realização de sua reabertura. A reforma durou anos, mas em 2009 o Cine Teatro pôde abrir mais uma vez as portas para receber o público mato-grossense e segue vivo até hoje.

Marco da cultura

Atualmente o Cine Teatro é administrado pela ong Cena Onze, que tem como um dos fundadores Flávio Ferreira. Eles não os responsáveis por manter o local vivo em Cuiabá, até mesmo durante a pandemia.

Apesar de não ser o local mais requisitado como era quando foi inaugurado, o Cine Teatro ainda é palco dos mais diversos espetáculos e mantém uma programação diária para aqueles que apreciam o audiovisual.

“O Cine Teatro está no coração de Mato Grosso […]. Esse histórico dele de filmes, peças de teatro, espetáculos, dança, tornou-se uma referência cultural”, afirma Flávio.

Ele foi outro que frequentou o local na juventude e hoje se diz emocionado em poder contribuir para mantê-lo funcionando através das adversidades. Para Flávio Ferreira, mais do que um marco para Cuiabá, o espaço é a alma da cultura do Estado.

“No Cine Teatro a energia é muito forte, porque ali só se trabalha com sentimento, com a emoção. Quem entra, ali é o coração, então é importância emocional para Mato Grosso é muito grande”, explica.

Carregado de histórias passadas de geração em geração, seja de quem acompanhou seu auge, seu declínio ou sua reabertura, não há quem não conheça o Cine Teatro Cuiabá ou, pelo menos, já tenha ouvido histórias sobre o espaço.

Nesse aniversário de 80 anos, o desejo de Aníbal e Flávio, mais do que tudo, é que a população aprecie a cultura regional, que é rica de histórias,  arquitetura e talento.

fonte:midianews

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